domingo, 16 de fevereiro de 2014

O silêncio em forma de Cálice: Análise do Discurso na canção de Chico Buarque e Gilberto Gil - Parte II

MORAES & AZEVEDO (2012, p.3) afirmam sobre a canção:
De Chico Buarque com Gilberto Gil a canção foi composta no ano de 1973, em pleno regime militar: são os “anos de chumbo”, pois o presidente do Brasil era o militar, general Emílio Garrastazu Médici. Em vigor estava o Ato Institucional número cinco (AI-5), promulgado em 24 de janeiro de 1967, no governo do presidente Costa e Silva. O ato regulava toda a produção cultural no Brasil. Nos dez anos em que vigorou, o ato impôs-se como instrumento de intolerância aos contestadores do regime militar, promovendo arbitrariamente repressão e intervenção, cassação, suspensão dos direitos políticos (Art. 5°), prisão preventiva, demissões (Art. 6°), perseguições e até confiscos de bens (Art. 8°).
                Eni Orlandi (apud SILVA, 2004) afirma que há muitas formas de silêncio, entre elas existem o silêncio imposto e o silêncio proposto. O imposto é sinônimo de dominação, subordinação, é a censura. Quem tem o poder estabelece o discurso que pode ser emitido. O proposto representa resistência, defesa, proteção. É o silêncio daqueles que eram obrigados a delatar seus amigos/companheiros no momento histórico referido. Não há dúvidas de que a canção Cálice é uma forma de protesto contra a imposição ditatorial do discurso aceitável, não é à toa que  algumas músicas compostas nesta época, inclusive a qual é tema de análise, é chamada de Música de Protesto.
            Faço duas leituras sonoras da palavra cálice na canção, não comprometendo a semântica:
1.      Pai, afasta de mim este cálice (cálice = calar-se, esta imposição, obrigação a não exprimir o meu discurso)
2.      Oprimido: Pai, afasta de mim este...
Opressor: Cálice (= Cale-se, não diga nada!)

Nas duas leituras, o efeito de sentido é o mesmo. Há uma imposição, um peso sobre os ombros do oprimido que ele não suporta. Não descontentamento quanto aos fatos vividos, e pior ainda, não se pode falar deste descontentamento. Há um movimento para lutar com a ideologia vigente, mas não ideologia como ideias, todavia como práticas (discursivas). E temos aí a linguagem como meio onde a ideologia se materializa. O silêncio também é compreendido como linguagem. Orlandi (2007) responde que o silêncio é um estatuto positivo, afirma que ele não é apenas falta de palavras e nem sombra do verbal: o silêncio significa.
Chico Buarque tentava de todas as formas driblar a censura, usando pseudônimos e fazendo uso de metáforas nas canções para que a censura não detectasse, mas nem sempre dava certo. Um exemplo é exatamente nesta canção. No dia da estreia da canção no show Phono 73, que a gravadora Phonogram (ex Philips, e depois Polygram) organizou no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio de 1973, houve um dispositivo de silenciamento, quando a censura percebeu a intenção da música. Quando CB e GG começaram, a cantar, desligaram o microfone. Eles tentaram cantar nos outros microfones que estavam no palco, mas foram desligados também. Um duplo e longo silenciamento... A canção só foi liberada em 1978, cinco anos depois de composta. Isso mostra que a Música está para além de seus elementos, propriedades e efeitos cerebrais. Ela perpassa a linguagem e é perpassada por esta. A música também soa relações de poderes e efeitos de sentidos devidamente localizados historicamente.

Referências Bibliográficas
AMARAL, R. A. P. ; SOUSA, N. L.( 2012) . Afasta de mim esse cálice! Chico Buarque e a censura pós-1964. Revista Vozes do Vale, v. 1, p. 1-19.
BÍBLIA SAGRADA. Versão online. Almeida Corrigida e Revisada Fiel. Disponível em <http://www.bibliaonline.com.br/>. Acessado em 24 de janeiro de 2014.
BUARQUE, Chico. Cálice. [on-line]. Disponível em http://letras.mus.br/chico-buarque/45121/ Acessado em  24 de janeiro de 2014.
MORAES, A. V. S. ; AZEVEDO, Nadia (2012.). Cálice: silêncio ou resistência. Recorte, v. 9, p. 1-21.
ORLANDI, Eni P(2007). As formas do silêncio. Editora Unicamp: Campinas. 6ª ed.
SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuzza Homem de. Nota sobre Cálice. Site oficial de Chico Buarque. Disponível em <http://www.chicobuarque.com.br/letras/notas/n_zuza_calice.htm
SILVA, Rosineide Guilherme (2004.). Análise do discurso: princípios e aspectos gerais. In: III Congresso Brasileiro de Hispanistas, 2004, Florianópolis. III Congresso Brasileiro de Hispanistas.
WERNECK, Humberto. Nota sobre Cálice. Site oficial de Chico Buarque. Disponível em < http://www.chicobuarque.com.br/letras/notas/n_calice.htm >


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