MORAES & AZEVEDO (2012, p.3) afirmam
sobre a canção:
De Chico Buarque com Gilberto Gil a canção
foi composta no ano de 1973, em pleno regime militar: são os “anos de chumbo”,
pois o presidente do Brasil era o militar, general Emílio Garrastazu Médici. Em
vigor estava o Ato Institucional número cinco (AI-5), promulgado em 24 de
janeiro de 1967, no governo do presidente Costa e Silva. O ato regulava toda a
produção cultural no Brasil. Nos dez anos em que vigorou, o ato impôs-se como
instrumento de intolerância aos contestadores do regime militar, promovendo
arbitrariamente repressão e intervenção, cassação, suspensão dos direitos
políticos (Art. 5°), prisão preventiva, demissões (Art. 6°), perseguições e até
confiscos de bens (Art. 8°).
Eni Orlandi (apud SILVA, 2004)
afirma que há muitas formas de silêncio, entre elas existem o silêncio imposto
e o silêncio proposto. O imposto é sinônimo de dominação, subordinação, é a
censura. Quem tem o poder estabelece o discurso que pode ser emitido. O
proposto representa resistência, defesa, proteção. É o silêncio daqueles que
eram obrigados a delatar seus amigos/companheiros no momento histórico
referido. Não há dúvidas de que a canção Cálice
é uma forma de protesto contra a imposição ditatorial do discurso aceitável,
não é à toa que algumas músicas
compostas nesta época, inclusive a qual é tema de análise, é chamada de Música
de Protesto.
Faço duas leituras sonoras da palavra
cálice na canção, não comprometendo a semântica:
1. Pai, afasta
de mim este cálice (cálice = calar-se, esta imposição, obrigação a não exprimir
o meu discurso)
2. Oprimido: Pai,
afasta de mim este...
Opressor:
Cálice (= Cale-se, não diga nada!)
Nas duas
leituras, o efeito de sentido é o mesmo. Há uma imposição, um peso sobre os
ombros do oprimido que ele não suporta. Não descontentamento quanto aos fatos
vividos, e pior ainda, não se pode falar deste descontentamento. Há um
movimento para lutar com a ideologia vigente, mas não ideologia como ideias,
todavia como práticas (discursivas). E temos aí a linguagem como meio onde a
ideologia se materializa. O silêncio também é compreendido como linguagem. Orlandi
(2007) responde que o silêncio é um estatuto positivo, afirma que ele não é
apenas falta de palavras e nem sombra do verbal: o silêncio significa.
Chico Buarque
tentava de todas as formas driblar a censura, usando pseudônimos e fazendo uso
de metáforas nas canções para que a censura não detectasse, mas nem sempre dava
certo. Um exemplo é exatamente nesta canção. No dia da estreia da canção no
show Phono 73, que a gravadora Phonogram (ex Philips, e depois Polygram)
organizou no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio de 1973,
houve um dispositivo de silenciamento, quando a censura percebeu a intenção da
música. Quando CB e GG começaram, a cantar, desligaram o microfone. Eles
tentaram cantar nos outros microfones que estavam no palco, mas foram
desligados também. Um duplo e longo silenciamento... A canção só foi liberada em 1978,
cinco anos depois de composta. Isso mostra que a Música está para além de seus
elementos, propriedades e efeitos cerebrais. Ela perpassa a linguagem e é
perpassada por esta. A música também soa relações de poderes e efeitos de
sentidos devidamente localizados historicamente.
Referências
Bibliográficas
AMARAL, R.
A. P. ; SOUSA, N. L.( 2012) . Afasta de mim esse cálice! Chico Buarque e a
censura pós-1964. Revista Vozes do Vale,
v. 1, p. 1-19.
BÍBLIA
SAGRADA. Versão online. Almeida Corrigida e Revisada Fiel. Disponível em <http://www.bibliaonline.com.br/>.
Acessado em 24 de janeiro de 2014.
BUARQUE,
Chico. Cálice. [on-line]. Disponível em
http://letras.mus.br/chico-buarque/45121/ Acessado em 24 de janeiro de 2014.
MORAES, A.
V. S. ; AZEVEDO, Nadia (2012.). Cálice: silêncio ou resistência. Recorte, v. 9, p. 1-21.
ORLANDI, Eni
P(2007). As formas do silêncio.
Editora Unicamp: Campinas. 6ª ed.
SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuzza
Homem de. Nota sobre Cálice. Site
oficial de Chico Buarque. Disponível em <http://www.chicobuarque.com.br/letras/notas/n_zuza_calice.htm
SILVA,
Rosineide Guilherme (2004.). Análise do
discurso: princípios e aspectos gerais. In: III Congresso Brasileiro de
Hispanistas, 2004, Florianópolis. III Congresso Brasileiro de Hispanistas.
WERNECK,
Humberto. Nota sobre Cálice. Site
oficial de Chico Buarque. Disponível em < http://www.chicobuarque.com.br/letras/notas/n_calice.htm
>
Nenhum comentário:
Postar um comentário